BENZODIAZEPINICOS - MOCINHOS OU VILÕES?
Para tratamento farmacológico da insônia é possível lançar mão de vários medicamentos, em especial alguns antidepressivos, anti-histamínicos, antipsicóticos e benzodiazepínicos. Vamos falar um pouco sobre os medicamentos historicamente mais utilizados para esse fim.
Os benzodiazepínicos são fármacos sintéticos que ocasionam diversos efeitos de relevância clinica no organismo, como: ansiolítico, hipnótico-sedativo, anticonvulsivante e relaxante muscular. Induzem sonolência e promovem alívio rápido da ansiedade, percebidos no primeiro dia de uso. Em caso de toxidade pelo seu uso, existe um antídoto eficaz e específico para uso em emergência, o flumazenil.
Nos dias atuais o clonazepam está entre os medicamentos mais vendidos no Brasil. Porém se percebeu alguns efeitos colaterais importantes e um considerável potencial de uso excessivo e de dependência dos BDZs, mesmo com o desenvolvimento de mecanismos de controle para sua prescrição, como por exemplo, a necessidade de apresentação e retenção da receita médica controlada (receituário B) para a compra.
Os BDZ atuam estimulando as ações do ácido gama-aminobutírico (GABA), principal neurotransmissor inibitório do cérebro. Tem como alvo o receptor GABA-A (canal iônico sensível a ligantes), potencializando, por assim dizer, suas ações inibitórias ao se ligarem aos seus receptores.
Como há ampla distribuição do receptor GABA-A no organismo, aquelas ações inibitórias potencializadas causam variados efeitos conhecidos, como : ansiolíticos, hipnóticos, relaxantes musculares e anticonvulsivantes.
Os representantes dos BDZ podem ser classificados de acordo com a sua meia-vida: Curta (Alprazolam, Lorazepam, Midazolam); Intermediária (Bromazepam, Clonazepam, Estazolam, Flunitrazepam, Nitrazepam); Longa (Clobazam, Clorazepato, Clordiazepóxido, Cloxazolam, Diazepam, Flurazepam).
São absorvidos de maneira inalterada pelo trato gastrointestinal, indicando ser boa opção via oral. Na maior parte dos casos, o pico de concentração plasmática encontra-se entre 30 minutos e 4 horas. São predominantemente lipossolúveis e capazes de atravessar a barreira hematoencefálica. Sua excreção é renal, por isso deve-se ter cuidado em pacientes com insuficiência renal, preferir os fármacos sem metabólitos ativos. Alguns, ainda somam a excreção por via fecal.
A metabolização dos BDZ é hepática. Alguns fogem a essa regra, metabolizando por meio de glicuronidação, transformação do metabólito em glicuronídeo, substância hidrossolúvel que posteriormente é excretada pelos rins. A vantagem da Glicuronidação é grande em pacientes idosos ou com algum grau de insuficiência ou doença parenquimatosa hepática, visto que não sofre grandes prejuízos com o avançar da idade ou com a insuficiência hepática.
Embora sejam eficazes em iniciar e manter o sono, o uso dos BZD exclusivamente para esse fim é desencorajado por conta dos riscos inerentes à classe e das inúmeras alterações verificadas na qualidade e na arquitetura do sono. A causa da insônia deve ser investigada com a busca intensa da patologia clinica ou psiquiátrica que a justifique. Além disso, vários outros fármacos, como hipnóticos não benzodiazepínicos (drogas Z), alguns antidepressivos e antipsicóticos são alternativas importantes no tratamento dos transtornos do sono.
Os efeitos dos BZD sobre o desempenho psicomotor e a memória são importantes. Os prejuízos na atenção e vigilância causados pelos BZD são dose-dependente. Por esse motivo, deve-se evitar dirigir sob efeito da substância, principalmente idosos que utilizam doses altas e de meia vida longa. A utilização crônica dessa classe de fármaco, por mais de 10 anos em média, pode provocar alterações irreversíveis no desempenho psicomotor e cognitivo.
O uso de BDZ em idosos deve ser cauteloso, pois os prejuízos cognitivos podem ser bem mais importantes que os em adultos, além do risco aumentado de quedas e fraturas. Os idosos que fazem uso de BDZ apresentam taxa de mortalidade mais alta que os que não os utilizam. Quando o seu uso for inevitável, deve ser prescrito doses baixas e períodos curtos, optando pelos de meia vida curta ou intermediária.
O uso de BDZ pode ocorrer em populações pediátricas. Porém, os prejuízos cognitivos a médio e longo prazos e o potencial de dependência levam à preferência por outras classes medicamentosas. Não se recomenda o uso de estazolam e bromazepam.
Em gestantes, existe um consenso de se evitar o uso próximo ao parto, com finalidade de evitar no recém-nascido os sintomas de hipotonia, dificuldades de sucção, letargia, e os de abstinência (irritabilidade, insônia e vômitos). Também não é recomendado o uso no primeiro trimestre de gestação pelo risco de teratogenicidade, mesmo sendo baixo, principalmente com o uso do diazepam. Entretanto, existem alguns registros dessas malformações associados a exposição ao alprazolam. Esses fármacos são secretados no leite materno, o que torna seu uso, nesse período, ainda mais cauteloso, pelo risco de sedação do lactente; deve-se optar por doses baixas e dos que não contenham metabólitos ativos.
Estão contra indicados os BDZ em portadores de glaucoma de ângulo fechado, miastenia grave e pacientes com doenças pulmonares graves. Em portadores do vírus HIV em tratamento com retrovirais deve-se evitar o uso dos fármacos com metabolismo hepático pela enzima CYP450 3A4.
Em maio de 2018 foi publicada uma nova série de diretrizes clínicas com foco em ajudar médicos da atenção básica a desprescrever, de forma segura, BZD em pacientes adultos. Recomendações baseadas em dados de estudos-chave de deprescrição para insônia e em analises de revisões de danos causados por BZD, preferencias de pacientes, e implicações de recursos. Essas diretrizes serão tema de nossa próxima publicação da psiquiatria neste canal.
Autor: Luciano Teixeira de Carvalho - Acadêmico de medicina